
Estávamos no início do século XIX e Portugal nunca experimentara uma tormenta tão severa. Este era um país a ferro e fogo de igrejas profanadas, de populações dizimadas, de vilas reduzidas a pó. Porém, do caos das Invasões Francesas, iria emergir uma improvável beneficiada: a casta Arinto de Bucelas, matriz de vinhos que encantaram o homem responsável pela derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo.
Essa batalha mudaria o mundo, mas ainda estava longe no tempo e no espaço. Por agora, como comandante das tropas luso-britânicas, este homem estava assoberbado pela defesa de Lisboa face aos poderosos exércitos do Marechal André Masséna (mostrado abaixo, à esquerda). Como poderia ser travado o brilhante marechal francês, ao qual o próprio Napoleão apelidou de “Querido Filho da Vitória”?
Bem, a forma de o travar foi também brilhante e viria a assumir o nome de ‘Linhas de Torres Vedras' (mapa abaixo, à direita), uma das maiores e mais eficazes estruturas defensivas da história militar europeia. Construídas com grande sacrifício português, as Linhas resultaram no deslocamento forçado de centenas de milhares de pessoas.
E foi durante a sua penosa construção que o nosso homem, Sir Arthur Wellesley - o futuro Duque de Wellington e futuro vencedor da Batalha de Waterloo - primeiro se encantou com os vinhos da casta Arinto: afinal, as vinhas de Bucelas estavam logo ali ao lado.
Este encanto levou a que o Duque se tornasse num aficionado da Arinto, uma casta que produzia vinhos de perfil semelhante à muito apreciada Riesling alemã. Num tempo de doenças e águas insalubres, Wellington descobriu em Bucelas bem mais do que uma bebida segura para os seus oficiais e soldados; encontrou também um tónico vivo, delicioso e assaz elegante.

Sob o nome ‘Lisbon Hock’, o Duque (abaixo, à esquerda) viria depois a oferecer este vinho à corte britânica e ao seu monarca Jorge III, o “Rei Louco”. A designação ‘Hock’ era atribuída aos famosos vinhos secos do Reno, algo que deu ao branco português um selo imediato de qualidade.
O Rei Louco e a alta sociedade britânica adoraram os vinhos de Arinto, pelo que rapidamente a procura ultrapassou a oferta nascida da pequena Bucelas. E foi assim, no auge das Guerras Napoleónicas, que se começou a forjar a fama internacional daquela que é hoje uma das castas embaixadoras da frescura vinícola nacional.
O vinho de Arinto tinha o perfil ideal para as necessidades do exército luso-britânico: além de refrescar sob o sol inclemente, a sua elevada acidez natural garantia estabilidade e longevidade durante longos transportes e tempos de armazenamento. Mas as suas qualidades não se ficavam por aí.

Apesar de ter nascido num local de clima ameno e aprazível, a Arinto não se deixou amedrontar por climas mais severos. De Bucelas (imagem abaixo) viajou para muitos outros locais de Portugal e mostrou ser adaptável à humidade e influência atlântica do Minho, ou às largas amplitudes térmicas das serranias na Beira Alta. De facto, onde outras castas sucumbem ao calor ou à oxidação, a Arinto mantém a sua firmeza e carácter revigorante.
No Dão, esse carácter é sublimado pela altitude e pelo erodido granito do solo. Estes fatores moldam vinhos repletos de estrutura, com uma vivacidade acutilante que transporta o palato num périplo entre citrinos maduros e discretas notas de pedra húmida.
Com a Arinto, tal como sucede com o nosso vinho Torreão Branco, temos prova que energia e elegância não se anulam. Pelo contrário, no Dão estas variáveis da casta estão unidas com rigor quase matemático numa equação onde a pureza aromática é a constante e o nervo tende para o infinito.

Num copo de Arinto, o nariz capta notas cítricas e vibrantes a lima, limão, toranja e maçã verde. Por vezes, surgem igualmente nuances de pera ou pêssego branco, mas a acidez nunca se perde como fio condutor. O paladar revela textura fina, quase cristalina, num volume que surpreende pela sua ausência de peso. Mas se há leveza, nunca há banalidade.
Com o tempo, a sua evolução em garrafa faz assomar o mel, os frutos secos, a pederneira e uma discreta untuosidade. Tal como num velho violino bem afinado, as notas amadurecidas nunca cedem a sua tensão e musicalidade sensorial.

Tais predicados sensoriais fazem da Arinto uma protagonista da enogastronomia portuguesa. A sua mordacidade acidulada ilumina entradas delicadas, mariscos iodados e peixes gordos ou grelhados. Os pratos de bacalhau assado, ou de polvo no forno, também ganham leveza e equilíbrio.
Por outro lado, os queijos de cabra e ovelha são exemplarmente contrabalançados pela faceta mais mineral da casta. Ao domar as especiarias e exaltar o exotismo, o vinho de Arinto também não se coíbe de enfrentar as confecções ousadas de caril ou os pratos asiáticos mais aromáticos.

A Arinto possui um conjunto de atributos incomuns para quem procura excelência vínica. Por exemplo, a sua acidez natural contraria a degradação provocada pelo calor e reduz a necessidade de correções artificiais.
E a firme película das uvas protege a fruta e assegura aromas límpidos mesmo quando as condições não são favoráveis. Esta não é uma casta de sabores pesados ou flácidos.
Dado este perfil, a Arinto é uma aliada do enólogo perante as alterações climáticas. Num mundo em que muitas castas brancas lutam para manter predicados, a Arinto permanece segura e estóica.
A isto se junta a maior procura por brancos elegantes, gastronómicos e com potencial de guarda. Por isso, o seu papel central no futuro da vitivinicultura portuguesa já não é apenas provável, mas sim inevitável.

Revelada à Europa num contexto de guerra e sacrifício, é verdade que hoje a Arinto apenas tem de enfrentar pratos exóticos ou muito condimentados. Contudo, tal como as Linhas protegeram a pátria num dos seus períodos mais trágicos, a Arinto protege hoje a tradição da elegância portuguesa num panorama em que os vinhos estão a perder a sua graciosidade face ao aquecimento da atmosfera.
Das margens do Tejo às margens do Dão, do passado ao futuro, esta sempre se mostrou uma casta adaptável e quiçá corajosa na sua constância de carácter. Com tais qualidades, hoje como ontem, não admira que a Arinto produza vinhos dignos da realeza. E é esse legado de elegância e resiliência que procuramos honrar em cada garrafa de Arinto que nasce na Quinta da Alameda.
Arinto de Bucelas, Arinto Branco, Arinto Cercial, Arinto d'Anadia, Arinto Galego, Arintho, Pedernã (Vinhos Verdes), Pedernão (Douro), Val de Arintho, Chapeludo (regiões de Castelo de Paiva e Cinfães), Azal Galego, Pedreña (Espanha). Esta ampla sinonímia reflete a amplitude histórica da casta Arinto e a sua presença transversal nas principais regiões vitivinícolas portuguesas.
Vila de Bucelas, concelho de Loures, distrito de Lisboa, Portugal. Em Bucelas, a Arinto beneficia dos solos argilo-calcários ricos em sedimentos marinhos e das variações climáticas determinadas pela proximidade ao Tejo e à massa oceânica do Atlântico. A denominação de origem protegida “Bucelas” é exclusiva para brancos e está centrada nesta casta.
Análises genéticas e ampelográficas recentes sugerem que a casta Arinto está instituída há mais tempo na região Oeste, local onde terá surgido antes de se expandir para outras áreas do país. Não há registo de parentesco próximo com castas estrangeiras relevantes; as histórias que associam o Arinto a possíveis importações alemãs (como a casta Riesling) não têm sustentação científica. A nível histórico e genético, a casta Arinto de Bucelas constitui uma das castas brancas mais antigas e representativas de Portugal, fortemente vinculada à sua região de origem, mas disseminada por todo o território graças à sua qualidade, adaptabilidade e resistência.
Os seus cachos são médios a grandes, compactos, multi-alados, formados por bagos pequenos ou médios de coloração verde-amarelada. Os bagos são arredondados, com casca de espessura média, polpa rija e sabor discreto. A folha é grande, com tendência a uma desorganização vegetativa que exige cuidado na condução da vinha. O brotamento é tardio, com floração regular e maturação também mais tardia. De vigor elevado, produz poucos cachos por vara, mas estes são geralmente de bom tamanho. É uma casta adaptável e de grande plasticidade, com bom comportamento em diferentes tipos de solo (desde os calcários do Tejo ou Bairrada, passando pelos graníticos do Dão ou do Minho, aos de transição xisto-granito do Douro). De produção moderada a baixa, é uma casta mais valorizada pela qualidade e frescura do que pelo volume. Em solos férteis, a poda deverá ser longa ou mista; em solos menos férteis, a poda deverá ser curta ou mista.
A casta apresenta sensibilidade moderada a algumas doenças comuns da vinha. Todavia, a Arinto é especialmente sensível à podridão, sobretudo em condições de humidade elevada ou baixa circulação de ar. Para mitigar este risco, a casta deverá ser plantada em encostas ou áreas mais arejadas. A casta demonstra sensibilidade ao oídio (Erysiphe necator), pelo que exige tratamentos profiláticos e monitorização regular. A casta Arinto também pode ser afetada por míldio (Plasmopara viticola); embora apresente alguma resistência relativa, podem ser necessários tratamentos preventivos nos anos mais húmidos. Por outro lado, as feridas de poda aumentam o risco de doenças do lenho como a esca. Por fim, a casta pode ser afetada por enrolamento foliar da videira e degenerescência infecciosa. Estas duas doenças virais são disseminadas por cochonilhas e outros insetos; o seu impacto varia consoante a pressão do vetor no campo. A Arinto beneficia de uma condução sanitária rigorosa, poda ajustada e boa drenagem nos solos.
Os vinhos de Arinto apresentam corpo médio, estrutura elegante e textura fresca, com marcada acidez e mineralidade. Na boca são vibrantes e refrescantes, com tensão e persistência notáveis. Raramente mostram untuosidade ou peso excessivo. Contudo, nos exemplares mais complexos (com estágio sobre borras ou madeira, por exemplo) podem revelar textura mais cremosa e maior volume de boca, sem nunca perderem, porém, a precisão e vivacidade características da casta.
Não aplicável (os taninos não são perceptíveis na vasta maioria dos vinhos de Arinto).
Os vinhos de Arinto apresentam textura fina e elegante graças à acidez elevada. Em versões jovens, são delicados e tensos, de clareza e mineralidade; os exemplares com estágio prolongado sobre borras ou em madeira podem exibir textura mais ampla e cremosa. O seu final é geralmente longo, limpo e persistente.
A casta é reconhecida pela sua acidez firme e elevada. Esta acidez veicula frescura vibrante, equilíbrio e grande potencial de envelhecimento. É a razão pela qual é frequentemente usada como casta "melhorante" nos vinhos de lote.
Os vinhos da casta Arinto têm sabores que frequentemente incluem notas de frutas cítricas como limão, lima e toranja, além de maçã verde e pera. Com o envelhecimento, podem desenvolver sabores complexos que lembram mel e nozes. Também podem exibir toques minerais e nuances tropicais suaves.
Os aromas dos vinhos de Arinto são tipicamente minerais e cítricos, com relevância para as notas de lima, limão, maçã verde e flores brancas como a flor de laranjeira. Aromaticamente, a casta é relativamente discreta, sem exuberância ou intensidade exageradas. Nalguns casos (principalmente em vinhos com estágio em madeira ou vindimados mais cedo), surgem notas florais integradas às nuances minerais próprias da casta.
De cor amarelo citrino ou amarelo palha com reflexos esverdeados, estes vinhos são límpidos e brilhantes. A coloração clara e fresca reflete a juventude e vivacidade típicas da casta.
Os vinhos da casta Arinto possuem elevado potencial de guarda graças à sua excelente acidez e boa estrutura mineral. Podem evoluir favoravelmente ao longo de vários anos, mostrando complexidade e desenvolvimento de notas mais amadurecidas, como frutas secas, mel e nuances minerais mais profundas.

Artigo revisto e validado por Patrícia Santos, enóloga da Quinta da Alameda. Formada em Enologia pela UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2001). Com prática aprofundada sob Anselmo Mendes. Ampla experiência profissional nas regiões vitivinícolas do Dão, Bairrada e Beira Interior, bem como em Arribes (Espanha).