A Quinta da Alameda na Iniciativa Vigneron: A Autoria Total do Vinho Português


As cartas que Vincent van Gogh escrevia ao irmão Theo continham uma expressão que permeava a maioria dos textos: “Tudo o que é feito com amor fica bem feito.” Esta é uma declaração simples a defender que a autenticidade nasce da devoção afetiva e do vínculo estreito entre o autor, a sua matéria-prima e a sua criação final. 

Mas esta expressão não é uma originalidade do pintor neerlandês: no domínio da arte, de um modo ou de outro, quase todos os autores verdadeiramente pioneiros partilham da mesma visão. Ora, o mesmo sucede relativamente à arte da enologia.

Daí que a máxima de van Gogh também descreva com acuidade a essência do movimento Vigneron, uma iniciativa de produtores de vinho portugueses que se uniram para defender um modelo mais genuíno, mais integrado e mais transparente. 

A Autoria Integral: O que Define um Vigneron

Esta iniciativa é levada a cabo por um grupo muito restrito de dez produtores nacionais do qual a Quinta da Alameda faz parte. Com óbvia origem no Francês, o termo ‘vigneron’ designa alguém que cultiva as suas próprias uvas, que as vinifica na sua adega sem usar uvas alheias e que engarrafa o vinho resultante das suas vinhas. 

É assim marcada uma distinção face aos produtores que compram uvas a terceiros, numa prática muito comum em terras nacionais. Por outro lado, a iniciativa visa exaltar o trabalho direto dos vignerons portugueses ao longo de todo o ciclo de produção de vinho. 

Denominados ‘vitivinicultores-engarrafadores’ em Portugal - nome complexo e pouco memorável - a sua atividade está estritamente regulada e enquadrada pelo IVV (Instituto da Vinha e do Vinho, o organismo público português responsável por gerir e coordenar o setor vitivinícola nacional). Ser vigneron não é, portanto, um capricho terminológico. É, sim, uma reivindicação de autoria total de acordo com o espírito da lei.

Um Movimento Nascido de Desafios Reais e Ambições Claras

A iniciativa atual ganhou ímpeto no evento “As Nossas Uvas Os Nossos Vinhos” ocorrido na Quinta das Bágeiras. Aí, a pluralidade de regiões representadas quis provar que ser vigneron não depende da escala mas da fidelidade ao terroir. De facto, ao contrário do que muitos pensam, um vigneron não é um pequeno produtor de vinho.

A força do movimento nasceu dos desafios enfrentados pelos vignerons nacionais. A remuneração da uva continua baixa. O preço dos vinhos é esmagado pelo retalho. As alterações climáticas tornam incerta a colheita. A rastreabilidade não é devidamente acautelada. O vinho importado a granel distorce valores. Várias regiões vitivinícolas enfrentam excessos de inventário. E o consumidor perdeu a capacidade de distinguir quem cultiva a sua própria uva de quem apenas a compra para vinificar. O antigo prestígio do “vinho de quinta” parece ter sofrido uma diluição.

Ao mesmo tempo, o consumidor contemporâneo deseja transparência, veracidade e identidade. O modelo da iniciativa Vigneron cumpre tais desejos porque oferece uma origem exclusiva e uma autoria integral que não admite atalhos. 

Mas os obstáculos são significativos. Ser vigneron acarreta custos significativos, investimentos avultados e empenho constante. E implica informar consumidores e intermediários, defender o termo contra usos abusivos e transformar a filosofia em valor estável. Contudo, caso vença estas barreiras, a iniciativa poderá gerar inovação, proteger tradições únicas e dar dignidade ao trabalho vitivinícola nacional.

Os Três Pilares que Sustentam a Filosofia Vigneron

Os objetivos desta iniciativa são tripartidos. Desde logo, quer garantir a autenticidade plena dos vinhos. Depois, pretende assegurar o controlo total da qualidade em todas as etapas da produção. Por fim, tenciona demonstrar a devoção, o comprometimento e o conhecimento profundo de cada vigneron - porque na verdade, tal como afirmava van Gogh, apenas o que nasce do amor ao motivo fica verdadeiramente bem feito.